segunda-feira, 18 de abril de 2016

O DIREITO À LITERATURA


            Os ideais da Revolução Francesa (1789) deram a base para a construção da Declaração dos Direitos Humanos. Tal documento entende a liberdade e a igualdade de direitos nas esferas econômica, social e cultural, atingindo todos os seres humanos. De acordo com essa concepção universalista, os direitos humanos estão acima de qualquer poder existente. Com base nesse documento criado pela Organização das Nações Unidas – ONU -, Antônio Candido estabelece relações entre direitos humanos e literatura.

            Em O direito à literatura, Antônio Candido analisa uma contradição existente na humanidade: o crescimento do racionalismo acompanhado, proporcionalmente, do irracionalismo. O racionalismo é presente no desenvolvimento de técnicas que foram capazes de romper algumas barreiras que os liberalistas e socialistas acreditavam que, ao serem derrubadas, levariam ao desenvolvimento de um mundo mais junto e igualitário. No entanto, isso não ocorreu, pois a irracionalidade ainda representa um impasse para que a igualdade e a liberdade não sejam apenas utopias. O ser humano aumentou o seu conforto, mas excluí dele as grandes massas que são condenadas à miséria. Antônio Candido acredita que somos a primeira geração da história capaz de solucionar os problemas que geram a injustiça.

            A injustiça é o desrespeito aos direitos. E ao longo do texto, a definição de direitos humanos é bastante trabalhada pelo autor. Tais direitos apresentam um pressuposto: reconhecer que aquilo que consideramos indispensáveis para nós é também indispensável para o próximo. Com base nesse pressuposto, Antônio Candido critica o imediatismo egoísta presente na sociedade atual, que é a tendências das pessoas acharem que seus direitos são mais urgentes que os do próximo. Para analisar o que pode ser classificado como um direito, o autor utiliza os conceitos do sociólogo francês Louis-Joseph Lebret. Este faz distinção entre “bens compressíveis”, que incluem cosméticos, enfeites e roupas supérfluas, e “bens incompressíveis”, que são bens que não podem ser negados a ninguém, como alimento, casa e roupa. Para Antônio Candido, a literatura é um bem que não pode ser negado a ninguém.

            Literatura, segundo o autor, inclui todas as criações de cunho poético, ficcional ou dramático em todos os níveis de uma sociedade, em todos os tipos de cultura, desde o folclore até obras eruditas. De acordo com essa definição, nota-se que a literatura é uma manifestação artística presente em todas as culturas. Todo o indivíduo estabelece algum contato diário com a literatura, podendo ser por meio de livros, ou até mesmo por meio do sonho. Nesse ponto, Antônio Candido faz uma comparação inusitada, porém inteligente. Ele alterou um conceito sobre mito de Otto Ranke, psicanalista austríaco, e afirmou que a literatura é o sonho acordado das civilizações. Por extensão, o autor conclui que o equilíbrio social existe com auxilio da literatura, assim como o equilíbrio psicológico é estabelecido com o sonho durante o sono. Assim, Antônio Candido conclui que a literatura é um fator indispensável de humanização.

            Humanização é o processo que confirma no ser humano o exercício da reflexão, a aquisição da sabedoria, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos questionamentos da vida, a percepção da complexidade do mundo e dos seres. A literatura é capaz de realizar este processo. E isso nos faz refletir sobre a função da literatura. Para Antônio Candido, a literatura apresenta três principais funções: ela é construtora de objetos autônomos como estrutura e significado; ela é uma forma de expressão; ela é uma forma de conhecimento. Desse modo, é facilmente perceptível que a literatura colabora para que as pessoas possam organizar suas visões sobre o mundo. Além disso, a literatura apresenta forte caráter social, denunciando diversos problemas existentes nas sociedades na qual ela está inserida.

            Antônio Candido analisa alguns autores e obras literárias buscando provar a existência de uma literatura social. Ele cita Castro Alves, que teve grande parte de sua obra voltada contra a escravidão. Victor Hugo também é abordado, cuja obra abrange os problemas causados e ampliados pelo advento da Revolução Industrial. Jorge Amado denuncia em Capitães da Areia a marginalização de crianças órfãs que vivem do crime pelas ruas da Bahia. Graciliano Ramos, de modo poético, revela em Vidas Secas sofrimento de quem vive no sertão e sofre com a opressão e a falta de esperança. Esses são alguns exemplos de literatura de tonalidade social.

            O direito à literatura deve ser preservado, pois a literatura é uma necessidade universal, já que faz parte das manifestações culturais, e é um mecanismo de luta social, pois ela é um mecanismo valioso para denunciar diversos problemas, como fome, miséria, marginalização, entre outros. Antônio Candido acredita que a desigualdade gerada pela contradição da racionalidade e da irracionalidade existente atualmente pode ser eliminada por meio da alfabetização e pela disseminação de espaços de lazer, como bibliotecas e museus.

Porém, o autor apresenta uma leve atitude utópica ao afirmar que a segregação pode ser eliminada por meio desses mecanismos. É necessário melhor distribuição de renda, para que as crianças de famílias mais pobres não necessitem largar os estudos para auxiliar no sustento da família. Além disso, é fundamental que todos os direitos sejam zelados de maneira conjunta, o desenvolvimento da literatura é prejudicado quando não há liberdade de expressão. E por fim, a manipulação ideológica estabelecida pela classe dominante é uma barreira de difícil superação, pois há um investimento político e financeiro em manter as pessoas alienadas e presas ao senso comum. Esses são fatores que devem ser superados para que a literatura erudita deixe de ser um privilégio de pequenos grupos.
           



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