Os ideais da Revolução Francesa (1789) deram a base para
a construção da Declaração dos Direitos Humanos. Tal documento entende a
liberdade e a igualdade de direitos nas esferas econômica, social e cultural,
atingindo todos os seres humanos. De acordo com essa concepção universalista,
os direitos humanos estão acima de qualquer poder existente. Com base nesse
documento criado pela Organização das Nações Unidas – ONU -, Antônio Candido
estabelece relações entre direitos humanos e literatura.
Em O direito à
literatura, Antônio Candido analisa uma contradição existente na
humanidade: o crescimento do racionalismo acompanhado, proporcionalmente, do
irracionalismo. O racionalismo é presente no desenvolvimento de técnicas que
foram capazes de romper algumas barreiras que os liberalistas e socialistas
acreditavam que, ao serem derrubadas, levariam ao desenvolvimento de um mundo
mais junto e igualitário. No entanto, isso não ocorreu, pois a irracionalidade
ainda representa um impasse para que a igualdade e a liberdade não sejam apenas
utopias. O ser humano aumentou o seu conforto, mas excluí dele as grandes
massas que são condenadas à miséria. Antônio Candido acredita que somos a primeira
geração da história capaz de solucionar os problemas que geram a injustiça.
A injustiça é o desrespeito aos direitos. E ao longo do
texto, a definição de direitos humanos é bastante trabalhada pelo autor. Tais
direitos apresentam um pressuposto: reconhecer que aquilo que consideramos
indispensáveis para nós é também indispensável para o próximo. Com base nesse
pressuposto, Antônio Candido critica o imediatismo egoísta presente na
sociedade atual, que é a tendências das pessoas acharem que seus direitos são
mais urgentes que os do próximo. Para analisar o que pode ser classificado como
um direito, o autor utiliza os conceitos do sociólogo francês Louis-Joseph
Lebret. Este faz distinção entre “bens compressíveis”, que incluem cosméticos,
enfeites e roupas supérfluas, e “bens incompressíveis”, que são bens que não
podem ser negados a ninguém, como alimento, casa e roupa. Para Antônio Candido,
a literatura é um bem que não pode ser negado a ninguém.
Literatura, segundo o autor, inclui todas as criações de
cunho poético, ficcional ou dramático em todos os níveis de uma sociedade, em
todos os tipos de cultura, desde o folclore até obras eruditas. De acordo com
essa definição, nota-se que a literatura é uma manifestação artística presente
em todas as culturas. Todo o indivíduo estabelece algum contato diário com a
literatura, podendo ser por meio de livros, ou até mesmo por meio do sonho.
Nesse ponto, Antônio Candido faz uma comparação inusitada, porém inteligente.
Ele alterou um conceito sobre mito de Otto Ranke, psicanalista austríaco, e
afirmou que a literatura é o sonho acordado das civilizações. Por extensão, o
autor conclui que o equilíbrio social existe com auxilio da literatura, assim
como o equilíbrio psicológico é estabelecido com o sonho durante o sono. Assim,
Antônio Candido conclui que a literatura é um fator indispensável de
humanização.
Humanização é o processo que confirma no ser humano o
exercício da reflexão, a aquisição da sabedoria, o afinamento das emoções, a
capacidade de penetrar nos questionamentos da vida, a percepção da complexidade
do mundo e dos seres. A literatura é capaz de realizar este processo. E isso
nos faz refletir sobre a função da literatura. Para Antônio Candido, a
literatura apresenta três principais funções: ela é construtora de objetos
autônomos como estrutura e significado; ela é uma forma de expressão; ela é uma
forma de conhecimento. Desse modo, é facilmente perceptível que a literatura
colabora para que as pessoas possam organizar suas visões sobre o mundo. Além
disso, a literatura apresenta forte caráter social, denunciando diversos
problemas existentes nas sociedades na qual ela está inserida.
Antônio Candido analisa alguns autores e obras literárias
buscando provar a existência de uma literatura social. Ele cita Castro Alves,
que teve grande parte de sua obra voltada contra a escravidão. Victor Hugo
também é abordado, cuja obra abrange os problemas causados e ampliados pelo
advento da Revolução Industrial. Jorge Amado denuncia em Capitães da Areia a marginalização de crianças órfãs que vivem do
crime pelas ruas da Bahia. Graciliano Ramos, de modo poético, revela em Vidas Secas sofrimento de quem vive no
sertão e sofre com a opressão e a falta de esperança. Esses são alguns exemplos
de literatura de tonalidade social.
O direito à literatura deve ser preservado, pois a
literatura é uma necessidade universal, já que faz parte das manifestações
culturais, e é um mecanismo de luta social, pois ela é um mecanismo valioso
para denunciar diversos problemas, como fome, miséria, marginalização, entre
outros. Antônio Candido acredita que a desigualdade gerada pela contradição da
racionalidade e da irracionalidade existente atualmente pode ser eliminada por
meio da alfabetização e pela disseminação de espaços de lazer, como bibliotecas
e museus.
Porém,
o autor apresenta uma leve atitude utópica ao afirmar que a segregação pode ser
eliminada por meio desses mecanismos. É necessário melhor distribuição de
renda, para que as crianças de famílias mais pobres não necessitem largar os estudos
para auxiliar no sustento da família. Além disso, é fundamental que todos os
direitos sejam zelados de maneira conjunta, o desenvolvimento da literatura é
prejudicado quando não há liberdade de expressão. E por fim, a manipulação
ideológica estabelecida pela classe dominante é uma barreira de difícil
superação, pois há um investimento político e financeiro em manter as pessoas
alienadas e presas ao senso comum. Esses são fatores que devem ser superados
para que a literatura erudita deixe de ser um privilégio de pequenos grupos.
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